A vacina Sputnik V, desenvolvida pelo instituto russo de pesquisa Gamaleya para a Covid-19, teve eficácia de 91,6% contra a doença, segundo resultados preliminares publicados nesta terça-feira (2) na revista científica “The Lancet”, uma das mais respeitadas do mundo. A eficácia contra casos moderados e graves da doença foi de 100%.
A vacina também funcionou em idosos: uma subanálise de 2 mil adultos com mais de 60 anos mostrou eficácia de 91,8% neste grupo. Ela também foi bem tolerada nessa faixa etária.
A vacina é a quarta a ter resultados publicados em uma revista, depois de Pfizer/BioNTech, Oxford/AstraZeneca e Moderna. Quando isso acontece, significa que os dados foram revisados e validados por outros cientistas.
Os pesquisadores – assim como todos os desenvolvedores de vacinas da Covid-19 até agora – só mediram os casos sintomáticos da doença para calcular a eficácia da vacina. Por isso, mais estudos são necessários para determinar a eficácia da vacina em impedir a transmissão da doença.
Os imunizantes desenvolvidos contra o coronavírus até este momento têm tido como função principal impedir casos graves e mortes pela doença – e não necessariamente a sua transmissão.
Outra observação feita pelos cientistas é que ainda não é possível determinar a duração da proteção que a vacina oferece, porque os dados foram analisados cerca de 48 dias após a primeira dose.
AVALIAÇÃO DE ESPECIALISTAS
Em um comentário publicado junto com os resultados da vacina, os professores Ian Jones, da Universidade de Reading, no Reino Unido, e Polly Roy, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, avaliaram que o resultado apresentado pelos russos é “claro” – apesar de críticas anteriores feitas aos cientistas sobre os dados.
“O desenvolvimento da vacina Sputnik V foi criticado pela pressa inadequada, e pela ausência de transparência. Mas o resultado relatado aqui é claro e o princípio científico da vacinação é demonstrado, o que significa que outra vacina pode agora se juntar à luta para reduzir a incidência de Covid-19”, disseram.
Os pesquisadores do Gamaleya haviam sido criticados pela falta de transparência nos dados. A Rússia também recebeu críticas por ter aprovado a vacinação em massa no país ao mesmo tempo em que os testes de fase 3 ainda estavam sendo conduzidos.
Nessa etapa de ensaios, uma vacina é testada em milhares de voluntários para avaliar a sua segurança e eficácia em grande escala antes que ela seja liberada para a população em geral. A Sputnik V foi a primeira vacina a ser registrada no mundo contra a Covid-19.
Para o médico e virologista Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), em São Paulo, o resultado é positivo, mas há algumas ressalvas.
“O resultado parece bastante razoável, dentro do esperado, e finalmente um pouco de transparência nos dados russos. Eu acho que os resultados são muito bons e algumas coisas [são] muito positivas, como uma boa eficácia em idosos”, avalia o cientista.
Mas Nogueira faz uma observação: os cientistas só testaram a forma líquida da vacina – que precisa ser conservada em temperaturas muito baixas (de -18ºC, segundo o estudo).
“Para ser utilizada aqui no Brasil, precisa testar a forma liofilizada [desidratada em baixas temperaturas] ou outra forma para ser utilizada em larga escala”, alerta.
“Mas eu continuo insistindo que a Sputnik tem que seguir os critérios que a Anvisa colocou, como fazer uma parte dos testes no Brasil para que seja aprovada. Acho que o Brasil não pode abrir mão dos critérios colocados pela Anvisa para todas as vacinas”, acrescenta o virologista da Famerp.
A microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, destaca os resultados após a aplicação de apenas uma dose da vacina.
“O que me chamou a atenção é que tem uma eficácia já muito boa depois de uma única dose”, diz. “O ensaio não foi desenhado para uma dose só, ele foi desenhado para duas doses, então o resultado de uma dose única foi uma extrapolação. Mas me parece um resultado muito bom – dando toda a impressão de que uma dose só dessa vacina já seria protetora”, afirma.
“É muito parecida com a vacina da Janssen – que é exatamente a mesma tecnologia e usa uma dose só. E também parecida com a vacina de Oxford, que também usa a mesma tecnologia, de adenovírus, e que a gente não vê um efeito tão grande do reforço – parece que a primeira dose já tem uma boa proteção. Me parece ser o mesmo caso da Sputnik”, observa.
As três vacinas – Sputnik V, de Oxford e da Johnson/Janssen – usam a tecnologia de vetor viral com adenovírus.
“Então acho que valeria muito a pena eles [do Gamaleya] fazerem um estudo de dose única, porque a gente começa a ver uma diferença grande entre o grupo vacina e um grupo placebo mais ou menos com 15, 16 dias – antes da segunda dose”, diz Pasternak.
“Os resultados estão muito bons. Tem um resultado bom em idosos também; não é robusto o teste em idosos, não foi com um grande número de pessoas, mas foi bom, então acho que é uma boa vacina e é mais uma no nosso arsenal”, avalia.
IMPORTAÇÃO PARA O BRASIL
A Sputnik V ainda não está sendo testada no Brasil, mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está analisando um pedido da farmacêutica União Química para que ensaios de fase 3 sejam feitos no país. Isso é importante porque a agência determinou que só vacinas testadas em solo brasileiro podem receber autorização de uso emergencial.
Em nota, a Anvisa disse que “existe um pedido da empresa de estudo de fase 3 em aberto na Anvisa. Este pedido está com pendências apontadas pela Anvisa e que estão sendo providenciadas pela empresa”.
Na semana passada, a agência se reuniu com a União Química para falar sobre a Sputnik V. A farmacêutica tem um acordo de transferência de tecnologia da vacina e poderá fabricá-la no Brasil.
Na segunda-feira (1º), empresa enviou uma manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) em que diz ter capacidade de entregar 150 milhões de doses da Sputnik V até o final de 2021.
Ainda segundo a farmacêutica, a Rússia está pronta para entregar 10 milhões de doses prontas no primeiro trimestre e pode começar a enviá-las assim que a Anvisa conceder o uso emergencial.
Até agora, apenas duas vacinas receberam a autorização de uso emergencial e estão sendo aplicadas no Brasil: a de Oxford e a CoronaVac, da chinesa Sinovac.
Mossoró Hoje
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